sexta-feira, 21 de outubro de 2022

José

O mineiro Carlos Drummond de Andrade é considerado por muitos, o poeta brasileiro mais prestigiado do século passado. Ele representou a segunda fase do modernismo brasileiro (1930-1945). O poeta de Minas Gerais produziu vários poemas, destaque para: Poema Quadrilha, Poema de sete faces, Poema as sem-razões do amor, Poema verbo ser, Poema da necessidade, Poema no meio do caminho, Poema José, dentre outros. A utilização da linguagem popular e os cenários cotidianos marcaram a obra “José”. Além disso, as manifestações do movimento modernista como verso livre e ausência de um padrão métrico nos versos do poema “José” foram recorrentes.

José

E agora, José?

A festa acabou,

a luz apagou,

o povo sumiu,

a noite esfriou,

e agora, José?

e agora, você?

você que é sem nome,

que zomba dos outros,

você que faz versos,

que ama, protesta?

e agora, José?

 

Está sem mulher,

está sem discurso,

está sem carinho,

já não pode beber,

já não pode fumar,

cuspir já não pode,

a noite esfriou,

o dia não veio,

o bonde não veio,

o riso não veio,

não veio a utopia

e tudo acabou

e tudo fugiu

e tudo mofou,

e agora, José?

 

E agora, José?

Sua doce palavra,

seu instante de febre,

sua gula e jejum,

sua biblioteca,

sua lavra de ouro,

seu terno de vidro,

sua incoerência,

seu ódio — e agora?

 

Com a chave na mão

quer abrir a porta,

não existe porta;

quer morrer no mar,

mas o mar secou;

quer ir para Minas,

Minas não há mais.

José, e agora?

 

Se você gritasse,

se você gemesse,

se você tocasse

a valsa vienense,

se você dormisse,

se você cansasse,

se você morresse...

Mas você não morre,

você é duro, José!

 

Sozinho no escuro

qual bicho-do-mato,

sem teogonia,

sem parede nua

para se encostar,

sem cavalo preto

que fuja a galope,

você marcha, José!

José, para onde? 

Carlos Drummond de Andrade



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