quinta-feira, 19 de janeiro de 2023

GABRIEL O PENSADOR

 



O carioca Gabriel Contino é conhecido popularmente como “Gabriel, O Pensador”. Ele é compositor, rapper, escritor, empresário.  No cenário musical, fez letras com ironias ácidas. Os governantes, o sistema educacional, a violência, a desigualdade social, a precariedade da saúde pública, a corrupção, o fanatismo religioso, a prostituição, dentre outros foram alvos de críticas do Pensador... Destaque para “Até Quando?”, “2345meia78”, “Cachimbo Da Paz”, “Tô Feliz (Matei O Presidente)”, “Muito Orgulho, Meu Pai”, “Surfista Solitário”, “Fé Na Luta”, “175 Nada Especial” etc. No ano de 1993, Gabriel lançou o rapper “175 Nada Especial”. Naquela época, o Brasil enfrentou alta taxa inflacionária na economia. A pobreza extrema atrelada à fome, o desamparo e a desconsideração dos políticos foram fatores relevantes para o elevado custo de vida da população brasileira. Diante deste contexto, O Pensador não enfatizou uma adversidade particular. Todavia, mencionou as carências gerais das zonas urbanas. As dificuldades das grandes metrópoles nacionais  eram frequentes, faziam parte da realidade diária. Enfim, lançada em 1993, “175 Nada Especial”, ainda continua atual, em 2023.

Sérgio Lopes Jornalista e Professor

E aí, pensador?!
Fala, tudo bem?!
Tá esperando que ônibus aí?
175
Ih! Corre, que tá saindo um ali agora
Falou, então! (Valeu!)
Mais um dia, mais um ônibus que eu peguei no Rio
Um ônibus tranquilo, estava vazio
A cidade engarrafada, como não podia deixar de ser
Viagem demorada, o que fazer?
Sem nenhuma mulher por perto pra bater um papo esperto
Resolvi escrever um rap a mais
Mas não estou bem certo sobre o quê eu vou rimar
Diz aí, trocador? (Ah, sei lá!)
Então eu vou no instinto
Pego um papel e vamo' vê o quê que dá
Foi nesse instante em que eu olhei pra janela
E que susto eu levei
Era ela, a inflação estampada na vitrine
Atingiu meu coração e deu vontade de partir pro crime
Porque o que eu quero comprar já não dá mais
A não ser que eu faça como fez o Ferrabrás (quem?)
Então eu tento esquecer, continuar a rimar
Mas o que eu vejo do outro lado é duro de acreditar
Mas é real, e a realidade dói demais
São dois mendigos se matando pelos restos mortais
De um cachorro qualquer que foi atropelado
E vai virar rango, e se der, talvez seja assado
(Hmm os nojentos gostam disso?)
Não, arrombado
Aquilo é um ser humano que chamaram de descamisado
Um desesperado, um brasileiro como eu
Que deve sempre perguntar: Será que existe mesmo Deus?
Não é o Pensador que vai tentar responder
Eu continuo rimando, tentando esquecer
Porque esse rap não é sobre nada especial
É o rap do 175 que eu peguei na central
Mas esse rap não é sobre nada especial
É o rap do 175 que eu peguei na central
E de repente, o ônibus começou a encher
Entrou mais gente, houve um tumulto
Alguém gritou e eu olhei pra ver
Quê que é isso? Quê que tá pegando? Quê que tá havendo?
(É um assalto, malandro!)
(Será que você ainda não tá percebendo?)
O desespero do trabalhador começou
E eu também tentava esconder meu dinheiro quando alguém falou
(Libera esse aí que é o Pensador, mané!)
Mas eles eram meus fãs, então levaram meu boné
(Autografado né, Pensador, se liga!)
(Calma!)
Alguns acharam que eu era cúmplice
Quase deu briga
Mas a viagem prosseguiu e os ladrões desceram
E aí a raiva que subiu na cabeça dos passageiros
E o mais injuriado era um bigodudo
Que tinha ganhado o salário e (eles levaram tudo)
Entraram dois PMs pela porta da frente
Estufando o peito e olhando pra gente
Impondo respeito
Mas os ladrões já tavam longe, num tinha mais jeito
Pra priorar levaram o bigodudo como suspeito
Ele era preto...
Coisas desse tipo é difícil esquecer
Mas eu vou continuar porque eu já disse a você que...
Esse rap não é sobre nada especial
É o rap do 175 que eu peguei na central
Mas esse rap não é sobre nada especial
É o rap do 175 que eu peguei na central
Agora estamos passando pela praia de Copacabana
Travestis e prostitutas se acabando por grana
E os gringos vão achando aquilo tudo bacana
(O Brasil é um paraíso! As mulheres são boas de cama!)
Ô gringo, não força, deixa de ser imbecil
Você que vem lá de fora quer entender do Brasil
Hã... O Brasil é um paraíso
É mole? E o inferno é onde?!
(Peraí, Pensador)
E por falar em paraíso, olha que loucura
Subiu no coletivo uma estranhíssima figura
Com uma bíblia na mão e uma cara de débil mental
Pregando a enganação da Igreja Universal
Ou será que era alguma outra igreja dessas?
Ah, num faz mal
Igreja de enganar otário é tudo igual!
E o coitado foi soltando aquele papo de crente
E eu rezando: Deus, me dê paciência!
Mas o pentelho desceu pra alegria da gente
E na saída do ônibus, sofreu um acidente
Se distraiu e foi atropelado por um caminhão
Morreu esmagado com a bíblia na mão
É, morreu, melhor do que viver nessa ilusão
Num queria Deus? Foi pro céu então
(Num sei não hein...)
Enquanto todos se benziam com pena do crente
Eu fui rimando, bola pra frente
Porque esse rap não é sobre nada especial
É o rap do 175 que eu peguei na central
Porque esse rap não é sobre nada especial
É o rap do 175 que eu peguei na central
E eu percebi que o trocador ficou fazendo careta
Pr'um coroa que passou por debaixo da roleta
Era um senhor de óculos, barba branca...
Ei, Peraí! Ei professor, quê que o senhor tá fazendo aqui?
Quê que houve? Foi assaltado? Perdeu o dinheiro?
(Hmm... Sabe... Sabe o quê que é? Gastei o salário inteiro!)
HmHm! Mudei de assunto, ele já tava encabulado
No meio do mês o salário dele já tinha acabado
Era o meu ex-professor da escola (coitado!)
Tá fudido e mal pago, daqui a pouco tá pedindo esmola
Ele é um mestre, um baú de sabedoria
E esse não é o valor que um professor merecia
Profissional de primeira importância pro nosso futuro
Ninguém mais quer ser professor pra num viver duro
E ele desceu em outra escola pra dar mais aula
(É que eu trabalho nos três turnos)
(Chego em casa e ainda corrijo prova)
Tchau professor! (Tchau Pensador!)
Desceu mais um trabalhador que tá numa de horror
Mas esse rap não é sobre nada especial
É o rap do 175 que eu peguei na central
Mas esse rap não é sobre nada especial
É o rap do 175 que eu peguei na central
E nós agora estamos passando pelo bairro de São Conrado
E como o tempo tá fechando eu tô ficando preocupado
Ih! Choveu! Pronto, tudo alagado
Uns vão nadando, outros morrendo afogados
E enquanto na favela tem barraco caindo
Não é que passa o Prefeito num iate sorrindo
E se o nosso ex-presidente estivesse aqui
Ele estaria certamente num belíssimo jet-ski
Mas como nós não temos embarcação pra todo mundo
Essa triste situação tá parecendo o fim do mundo
Pra quem tá de carro, pra quem tá de ônibus
Nessa Rio-Babilônia, no Brasil do abandono
E enquanto os governantes vão boiando sorridentes
Vamo' remando, bola pra frente
Porque esse rap não é sobre nada especial
É o rap do 175 que eu peguei na central
Mas esse rap não é sobre nada especial
É o rap do 175 que eu peguei na central
E o pior de tudo-tudo é que nessa grande viagem
Nada-nada disso do que aconteceu foi novidade
E as autoridades estão defecando
Pro que acontece ao cidadão brasileiro no seu cotidiano
Porque pra eles isso não é nada especial
No cu dos outros é refresco, num faz mal
E fecham os olhos pro que até cego já viu
O revoltante retrato da vida urbana no Brasil
E eu não me refiro ao 175 ou qualquer linha da central
Eu tô falando do dia a dia
A qualquer hora, em qualquer local
Porque esse rap não é sobre nada especial


terça-feira, 17 de janeiro de 2023

Liberdade ainda que tardia

 

Belo Horizonte, na década de 1960, no bairro Santa Tereza, as esquinas das ruas Divinópolis e Paraisópolis reuniam músicos. Eles tocaram e cantaram a mistura de ritmos: rock, jazz, bossa nova, música folclórica. Milton Nascimento, Márcio Borges, Fernando Brant, Ronaldo Bastos, Tavinho Moura, Murilo Antunes, Flávio Venturini, Lô Borges, Beto Guedes, Wagner Tiso, Nivaldo Ornelas, Toninho Horta, Nelson Ângelo, Novelli formaram o Clube da Esquina. Em 1972, Milton Nascimento reuniu os amigos e lançou o álbum duplo “Clube da Esquina”. O disco foi considerado pela maior parte da crítica, uma nova musicalidade e um divisor de água no cenário fonográfico do século XX. O lançamento dos mineiros causou polêmicas e apreciações da mídia, o LP não apresentou nome e foto dos intérpretes das canções... As misturas dos vários ritmos, as composições vocais e instrumentais agradaram aos críticos apurados, sobretudo, os de jazz. Muitos julgaram o Clube da Esquina superior ao Tropicalismo no que se refere à qualidade musical. Todavia, uma parte considerável da imprensa do eixo Rio-São Paulo sempre deu mais espaço para outros movimentos musicais: Tropicalismo, Bossa Nova, MPB (Música Popular Brasileira). Em 2022, o lançamento do álbum “Clube da Esquina” completou 50 anos e foi eleito o melhor disco brasileiro de todos os tempos. Segundo Francisco Fernandes Ladeira no site https://www.otempo.com.br/opiniao/artigos/reparacao-historica-ao-clube-da-esquina, a escolha foi realizada por 162 especialistas em música consultados pelo podcast Discoteca Básica. O Clube da Esquina como “melhor disco brasileiro de todos os tempos” simboliza bem esse processo de descobrimento da música mineira por indivíduos de diferentes gerações e lugares. Ainda de acordo com Ladeira, uma reparação histórica a uma obra que não foi devidamente valorizada durante décadas (coincidentemente no ano de seu cinquentenário). A turma de Santa Tereza está comemorando a conquista. Enfim, o reconhecimento do Clube da Esquina significa o ponto de amplitude e habilidade de uma obra musical de Minas Gerais para o mundo.

Sérgio Lopes, Jornalista, professor, especialista em TV, Cinema e Mídias Digitais e em Letras (Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa e Inglesa)

segunda-feira, 16 de janeiro de 2023

A Matriarca Manoela

 

Minha amada e querida Dona Manoela foi uma brilhante mulher, nunca fugiu das responsabilidades e sempre colocou a felicidade (do marido, dos filhos, dos netos, dos bisnetos, dos genros e das noras) em primeiro lugar. Nesse dia, ela merece todos as homenagens e reconhecimento. Gostaria de aproveitar a oportunidade para falar um pouco da minha vó Manela. No dia 13 de dezembro de 1927, nasceu no Distrito de Santa Barbara, em São João Nepomuceno (MG), uma linda garotinha chamada Manoela Rodrigues de Souza. Era filha de Virgílio Goncalves (in memorian) e Alzira Rosa de Souza (in memorian). Manoela teve quarto irmãos que já faleceram: (Percília, Maria, Sebastiana e Dorfílio).  Em julho de 1944, aos dezesseis anos, Manoela casou se com Sebastião Rodrigues de Souza (21 anos). O jovem casal foi morar na cidade de Coronel Pacheco (MG)…  Em 1946, nasceu o primeiro filho (Sebastião Rodrigues de Souza Filho – in memorian). Depois do nascimento do pequeno Tiãozinho, a família Rodrigues cresceu… Dona Manoela e o senhor Sebastião tiveram mais 11 filhos (Antônio, Maria José – in memorian, Maria de Lurdes in memorian, Maria Célia in memorian, José Geraldo, Jorge, Elio, Edmar, Walto in memorian, Rogério, Sandra) e ajudaram na criação e educação do sobrinho do senhor Sebastião (Celso Rodrigues). Nas décadas de (1940, 1950, 1960, 1970), a vida era muito difícil para as pessoas que moravam nas áreas rurais. Grande parte das famílias trabalhavam nas fazendas (12 horas diárias), eram exploradas pelos fazendeiros e recebiam baixos salários. Os filhos dos empregados das fazendas não tinham oportunidade de estudar e eram “obrigados”  ajudar os pais no trabalho rural… Diante desta triste realidade, o senhor Sebastião e a dona Manoela trabalharam pesado na roça. Plantaram, colheram; criaram (porcos e galinhas); cuidaram dos gados… Infelizmente, os filhos da família Rodrigues não tiveram condições de completar os estudos. Eles começaram a trabalhar com o objetivo de contribuir para o sustento da família. O primogênito Sebastião Rodrigues de Souza Filho e Antônio Rodrigues começaram a trabalhar bem jovens. Entre 9 e 10 anos, as crianças da Dona Manoela trabalharam no curral exercendo o ofício de “Campeiro”. Além disso, os meninos ajudaram os pais nas plantações de (milho, arroz, feijão). Os outros irmãos (José Geraldo, Jorge, Elio, Edmar, Walto) seguiram o mesmo caminho de (Tiãozinho e Antônio). A irmã Maria Célia não trabalhou na roca, mas ajudou muito a mamãe nos serviços domésticos e cuidou dos irmão mais novos (Sandra e Rogério). A vida não estava fácil para a família Rodrigues. Eles trabalhavam demais e o dinheiro era curto. Em 1965, Sebastião Rodrigues de Souza Filho abandonou o trabalho rural e foi tentar a sorte em Petrópolis (RJ). Ficou por lá por uns tempos, e casou se com a senhora Nilza… Antônio Rodrigues deixou o trabalho do campo e foi para Juiz de Fora tentar novas oportunidades. José Geraldo foi também para Petrópolis e depois foi para Juiz Fora. Os outros filhos (Jorge, Elio, Edmar, Walto) partiram para Juiz de Fora. A casa do (senhor Sebastião e dona Manoela) ficou vazia. A filha Célia junto com a mamãe Manoela ajudaram os irmãos (Jorge, Elio, Edmar, Walto). Elas lavavam as roupas e mandavam comida diariamente pelo ônibus (Bassamar) para os meninos que estavam morando e trabalhando  em Juiz de Fora. Em 1977, a filha Maria Célia casou se com o Murilo e foi morar em Coronel Pacheco… Em 1979, O senhor Sebastião Rodrigues e a senhora Manoela junto com os dois filhos mais novos (Rogério e Sandra) deixaram a roça e mudaram para cidade. A família Rodrigues foi tentar ganhar a vida em Juiz de Fora.   Alugou um casa no bairro Manoel Honório e os filhos que já estavam trabalhando lá (Jorge, Elio, Edmar, Walto) também foram morar junto com os pais. O patriarca Sebastião Rodrigues arranjou emprego no Clube D. Pedro II. Nessa nova fase da vida,  Dona Manoela e senhor Sebastião moraram em vários bairros de Juiz de Fora. Manoela sempre esteve ao lado do marido e o acompanhou até o seu leito de morte…. Dona Manoela  não desistiu da vida e prosseguiu seu caminho com muita esperança e fé em Deus. Dona Manoela tornou a matriarca da família Rodrigues. O sábio francês Lavoisier do século XVIII , deixou uma frase incontestável para a humanidade : “na natureza nada se perde, tudo se transforma”, ou seja, tudo se desorganiza para se organizar novamente, de uma forma mais perfeita.  A morte não existe, hoje, Manoela faz sua passagem para outra dimensão…  Dona Manoela é vó de 20 netos e bisavó de 13. Dona Manoela é querida pelos genros e pelas noras. Dona Manoela é admirada por todos os amigos que estão aqui neste momento e também pelos que não compareceram. Dona Manoela é amor. Dona Manoela é uma força que motiva as pessoas. Dona Manoela é heroína. Dona Manoela e amada por todos. Dona Manoela superou os obstáculos da vida. Dona Manoela é a experiência . Dona Manoela é educação. Dona Manoela é superação. Dona Manoela é equilíbrio.  Dona Manoela é guerreira, corajosa, uma força da natureza.. É essência que ilumina, que orienta. É palavra de conforto , é  sorriso , é exemplo de vida,  é autoridade que educa. Dona Manoela é um ser único, na maioria das vezes esquece ou negligência seus próprios interesses em favor de outros. O coração de Dona Manoela é superior ao universo, e nele vive um amor (verdadeiro, incondicional e infinito). Sorrisos e lágrimas alternam em seu rosto consumido de preocupação constante. Contudo, a recompensa está garantida através do amor e reconhecimento dos seus entes queridos, e da certeza que  fez um trabalho maravilhoso! Dona Manoela viveu  noventa e cinco anos. O seu coração vai pulsar mais forte, seus olhos vão brilhar, os seus lábios vão sorrir. Talvez, essa seja a forma mais simplória para que a senhora Manoela seja sempre seguida como exemplo para todos. Quero colocar dentro desta singela homenagem todos os corações que te apreciam, toda a paz e luz que a senhora merece. Que a felicidade te acompanhe sempre e que ela seja ainda maior do que já é, pois é maravilhoso o bem que você planta ao longo do seu caminho. Tenha certeza que na vida, no tempo e na eternidade Deus descreve sorrindo tudo isso que tentei expressar.  São os mais sinceros sentimentos do seu neto Serginho . Vá em paz! Vá com os anjos! Obrigado por tudo, eu te amo, nós te amamos.

Jornalista e Professor Sérgio Lopes

quarta-feira, 11 de janeiro de 2023

Clarice Lispector

A ucraniana Clarice Lispector veio morar no Brasil, no ano de 1921, viveu nas cidades de Maceió, Recife e Rio de Janeiro. Lispector estudou várias línguas, fez aula de piano, foi uma estudante exemplar e demonstrou talento na arte de produzir poemas. A escritora teve êxito na terceira geração modernista brasileira. Clarice Lispector faleceu no ano de 1977, entretanto, deixou   poemas importantes como: “Sonhe”, “Minha alma tem o peso da luz”, “Sou”, “A Lucidez Perigosa”, “Eu”, “Solidão”, “Nossa Truculência”, “Passional”, “Mão”, “Meu Deus, me dê coragem”, dentre outros.

Meu Deus, me dê a coragem

Meu Deus, me dê a coragem

de viver trezentos e sessenta e cinco dias e noites,

todos vazios de Tua presença.

Me dê a coragem de considerar esse vazio

como uma plenitude.

Faça com que eu seja a Tua amante humilde,

entrelaçada a Ti em êxtase.

Faça com que eu possa falar

com este vazio tremendo

e receber como resposta

o amor materno que nutre e embala.

Faça com que eu tenha a coragem de Te amar,

sem odiar as Tuas ofensas à minha alma e ao meu corpo.

Faça com que a solidão não me destrua.

Faça com que minha solidão me sirva de companhia.

Faça com que eu tenha a coragem de me enfrentar.

Faça com que eu saiba ficar com o nada

e mesmo assim me sentir

como se estivesse plena de tudo.

Receba em teus braços

o meu pecado de pensar.

Clarice Lispector