terça-feira, 16 de fevereiro de 2021

Siga o primeiro conselho do Mestre

 

Certo dia, o mestre recebeu a visita de um homem, uma pessoa deprimida. Tão logo chegou, foi convidado pelo sábio para sentar e tomar um chá. “Mestre, ando revoltado. Lembro-me o tempo todo do mal que já me fizeram e isso acaba comigo. Sinto-me triste e furioso…” Sem piscar, o mestre respondeu: “Perdoe e esqueça.” O homem não acreditou no que ouviu. “Senhor, eu não sou feito de pedra. Como pode dar um conselho assim para alguém como eu, que já sofreu tanto? Estou muito magoado e ferido para simplesmente perdoar e esquecer.” Foi quando o mestre concluiu: “Então eu vou te dar outra opção: não perdoe e não esqueça. Tenha sempre na memória cada detalhe do que te fez sofrer no passado. Sonhe com isso até não conseguir mais dormir, até ter que tomar remédios. Chore e tenha muita pena de si mesmo. Perca peso e fique com uma aparência pálida e abatida, faça com que todos os seus amigos se preocupem com você. Pare de falar sobre momentos felizes e interrompa as pessoas para reforçar o quanto você é triste e injustiçado. Aproveite e deixe que isso se agrave para uma ansiedade, gastrite ou enxaqueca, assim você sempre se lembrará do mal que lhe fizeram. Se você acha que este é o melhor caminho a seguir, vá em frente. Boa sorte.”

 

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2021

Narrativa de uma Lenda Hindu

 “Deus tomou a redondeza da lua e a ondulação da serpente; o entrelaçamento da trepadeira e o tremer da erva; a esbelteza do caniço e a frescura da rosa; a ligeireza da folha e o aveludado do pêssego; o olhar lânguido da corça e a inconstância da brisa; o pranto da nuvem e a alegria do sol; a timidez da lebre e a vaidade do pavão; a doçura da penugem que guarnece a garganta dos pássaros e a dureza do diamante; o sabor doce do mel e a crueldade do tigre; o gelo da neve e o calor do fogo; o cacarejar do galo e o arrulho da rola. Misturou tudo isso e fez a mulher. Ela era graciosa e sedutora. E, achando-a mais bela que a íbis e a gazela, Deus, orgulhoso de sua obra, admirou-a e deu-a de presente ao homem. Oito dias depois, o homem, bastante confuso, procurou Deus e lhe disse: “Senhor, a criatura que me ofereceste envenena a minha existência; tagarela sem cessar, lamenta-se a propósito de tudo, chora e ri ao mesmo tempo, é inquieta, exigente e melindrosa; está sempre me importunando e não me deixa um instante de sossego. Suplico-te, Senhor, chama-a de volta para ti, pois não posso viver com ela”. E Deus, paternalmente, retomou a mulher. Mas, passados oito dias, o homem voltou a procurar a Deus: “Senhor, minha vida é uma solidão, desde que te restituí aquela criatura. Ela cantava e dançava na minha frente. Que suave expressão tinha ela quando me olhava de lado, sem voltar a cabeça. Ela brincava comigo! E não há fruto mais delicioso, de nenhuma árvore, que se compare às suas carícias! Imploro que me devolvas. Não posso viver sem ela!” E Deus devolveu-lhe a mulher. Passaram-se mais oito dias e Deus franziu o cenho, vendo surgir o homem que empurrava a mulher dizendo: “Senhor, não sei como isso acontece, mas a verdade é que esta mulher me dá mais aborrecimento do que prazer. Fica com ela, que eu não a quero mais!” A tais palavras, o Senhor lhe disse: “Homem, regressa à tua casa com tua companheira e aprende a suportá-la. Se eu a aceitasse de volta, daqui a oito dias tu virias de novo importunar-me para reavê-la. Vai e leva-a contigo.” E o homem se retirou murmurando: “Como eu sou infeliz! Duplamente infeliz, porque não posso viver com ela e não posso viver sem ela!”