sábado, 30 de abril de 2022

Autopsicografia

O poeta português Fernando Pessoa escreveu a respeito da sua relação com a escrita, a poesia e o leitor.

Autopsicografia

O poeta é um fingidor

Finge tão completamente

Que chega a fingir que é dor

A dor que deveras sente.

 

E os que leem o que escreve,

Na dor lida sentem bem,

Não as duas que ele teve,

Mas só a que eles não têm.

 

E assim nas calhas de roda

Gira, a entreter a razão,

Esse comboio de corda

Que se chama coração.

 

Fernando Pessoa

 

 


quinta-feira, 21 de abril de 2022

Vício na Fala

 

O Brasil é marcado pelo preconceito, tais como: preconceito contra mulheres (machismo, sexismo), preconceito social (classismo), preconceito racial (racismo), preconceito contra pessoas trans (transfobia), preconceito contra homossexuais (homofobia), preconceito contra judeus (antissemitismo)... Contudo, um tipo de discriminação que ocorre cotidianamente, de norte a sul do brasil, o preconceito linguístico não é muito discutido... Afinal, o que é preconceito linguístico? Segundo o linguista e filólogo Marcos Bagno, é uma forma de discriminação com graves implicações sociais. Este preconceito nasce da ideia de que existe apenas uma língua correta, que é aquela baseada na gramática. Ainda de acordo com Bagno, não existem formas certas ou erradas de fazer uso do idioma. Muitos creem que o português falado nas regiões Sudeste e Sul do Brasil é “superior” ou “mais bem falado” que o português das regiões Nordeste, Norte, Centro-Oeste. Bem como, acreditam que as pessoas de condições financeiras mais favoráveis possuem um português mais brilhante e elaborado que pessoas das classes economicamente desfavorecidas. No século passado, Oswald de Andrade, consagrado escritor e poeta paulista da primeira fase do modernismo (1922 – 1930), relatou no poema “Vício na Fala” a pronúncia incorreta de alguns vocábulos reduzidos pelos falantes da língua portuguesa. De acordo com Oswald, “mio”, “mió”, “pió”, “teia”, “teiado”, de certo modo criam um “telhado”.  A norma culta é deixada de lado e as novas palavras fazem parte da realidade dos falantes. O poema de Oswald de Andrade pode ser considerado crítica contra o preconceito linguístico e desperta o senso crítico do leitor em relação à divergência entre as línguas. Por fim, em pleno século XXI, o preconceito linguístico é real na sociedade brasileira. Confira o poema “Vício na fala”!

Vício na Fala

Para dizerem milho dizem mio

Para melhor dizem mió

Para pior pió

Para telha dizem teia

Para telhado dizem teiado

E vão fazendo telhados.

Oswald de Andrade

Artigo elaborado por Sérgio Lopes - Jornalista, Professor, Especialista em (TV, Cinema e Mídias Digitais) e em Letras (Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa e Inglesa)