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No
século XVII, a sociedade baiana era formada pelo clero, governo, os fidalgos,
corrupção dos portugueses e pela maioria da população (pobre, excluída e
explorada). O prestígio (social e econômico) do Brasil era na Bahia que
enriqueceu com os engenhos. Foi sede do
Governo Geral desde de 1549. Naquela época, o estado da região nordeste
tornou-se polo da vida jurídica e administrativa da colônia, bem como formadora
de intelectuais e controladora da vida religiosa. Uma rica burguesia composta
por imigrantes vindos de Portugal comandava o comércio com domínio no mercado
de crédito e outros contratos reais. Os imigrantes criaram um monopólio... Tal
situação gerou uma imensa crise dos proprietários rurais brasileiros e a agressividade
entre (portugueses e brasileiros) foi intensificando ao longo dos anos.
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Diante
deste cenário de (desigualdade, corrupção, exploração), o baiano Gregório de
Matos Guerra conhecido como (“Boca do Inferno”) foi o primeiro escritor da história
brasileira a criticar a sociedade. Gregório usava uma crítica ácida através de
sua poesia satírica. Em pleno século XVII, destacava em sua obra um vocabulário
bem popular com uso frequente de palavras de baixo calão. Senhores aristocratas, grandes figuras do alto
clero, mulheres da sociedade tradicional, prostitutas, freiras, políticos
dentre outros foram alvos da crítica ferina e debochada de Matos... Talvez em razão da própria irreverência, não
publicou em vida uma coletânea de seus textos. O que resultou inúmeras
dificuldades para o reconhecimento da autoria. Contudo, nos dias atuais, a obra
do poeta da Bahia é reconhecida como um projeto literário que, além de ter
iniciado uma tradição entre nós, ultrapassou as fronteiras do próprio estilo de
época (Barroco). No distante século XVII, o “Boca do Inferno” chegou a ser um
dos prenunciadores da poesia moderna brasileira. Eis alguns poemas de Gregório
de Matos:
As Cousas do mundo
Neste
mundo é mais rico o que mais rapa:
Quem
mais limpo se faz, tem mais carepa;
Com
sua língua, ao nobre o vil decepa:
O
velhaco maior sempre tem capa.
Mostra
o patife da nobreza o mapa:
Quem
tem mão de agarrar, ligeiro trepa;
Quem
menos falar pode, mais increpa:
Quem
dinheiro tiver, pode ser Papa.
A flor
baixa se inculca por tulipa;
Bengala
hoje na mão, ontem garlopa,
Mais
isento se mostra o que mais chupa.
Para a
tropa do trapo vazo a tripa
E mais
não digo, porque a Musa topa
Em
apa, epa, ipa, opa, upa.
Descrevo que era Realmente Naquele Tempo a
Cidade da Bahia
A cada
canto um grande conselheiro,
que
nos quer governar cabana, e vinha,
não
sabem governar sua cozinha,
e
podem governar o mundo inteiro.
Em
cada porta um frequentado olheiro,
que a
vida do vizinho, e da vizinha
pesquisa,
escuta, espreita, e esquadrinha,
para a
levar à Praça, e ao Terreiro.
Muitos
mulatos desavergonhados,
trazidos
pelos pés os homens nobres,
posta
nas palmas toda a picardia.
Estupendas
usuras nos mercados,
todos,
os que não furtam, muito pobres,
e eis
aqui a cidade da Bahia.
Necessidades Forçosas da Natureza Humana
Descarto-me
da tronga, que me chupa,
Corro
por um conchego todo o mapa,
O ar
da feia me arrebata a capa,
O
gadanho da limpa até a garupa.
Busco
uma freira, que me desemtupa
A via,
que o desuso às vezes tapa,
Topo-a,
topando-a todo o bolo rapa,
Que as
cartas lhe dão sempre com chalupa.
Que
hei de fazer, se sou de boa cepa,
E na
hora de ver repleta a tripa,
Darei
por quem mo vase toda Europa?
Amigo,
quem se alimpa da carepa,
Ou
sofre uma muchacha, que o dissipa,
Ou faz
da mão sua cachopa.
EPÍLOGOS
Que
falta nesta cidade?... Verdade.
Que
mais por sua desonra?... Honra.
Falta
mais que se lhe ponha?... Vergonha.
O demo
a viver se exponha,
Por
mais que a fama a exalta,
Numa
cidade onde falta
Verdade,
honra, vergonha.
Quem a
pôs neste rocrócio?... Negócio.
Quem
causa tal perdição?... Ambição.
E no
meio desta loucura?... Usura.
Notável
desaventura
De um
povo néscio e sandeu,
Que
não sabe que perdeu
Negócio,
ambição, usura.
Quais
são seus doces objetos?... Pretos.
Tem
outros bens mais maciços?... Mestiços.
Quais
destes lhe são mais gratos?... Mulatos.
Dou ao
Demo os insensatos,
Dou ao
Demo o povo asnal,
Que
estima por cabedal,
Pretos,
mestiços, mulatos.
Quem
faz os círios mesquinhos?... Meirinhos.
Quem
faz as farinhas tardas?... Guardas.
Quem
as tem nos aposentos?... Sargentos.
Os
círios lá vem aos centos,
E a
terra fica esfaimando,
Porque
os vão atravessando
Meirinhos,
guardas, sargentos.
E que
justiça a resguarda?... Bastarda.
É
grátis distribuída?... Vendida.
Que
tem, que a todos assusta?... Injusta.
Valha-nos
Deus, o que custa
O que
El-Rei nos dá de graça.
Que
anda a Justiça na praça
Bastarda,
vendida, injusta.
Que
vai pela clerezia?... Simonia.
E
pelos membros da Igreja?... Inveja.
Cuidei
que mais se lhe punha?... Unha
Sazonada
caramunha,
Enfim,
que na Santa Sé
O que
mais se pratica é
Simonia,
inveja e unha.
E nos
frades há manqueiras?... Freiras.
Em que
ocupam os serões?... Sermões.
Não se
ocupam em disputas?... Putas.
Com
palavras dissolutas
Me
concluo na verdade,
Que as
lidas todas de um frade
São
freiras, sermões e putas.
O
açúcar já acabou?... Baixou.
E o
dinheiro se extinguiu?... Subiu.
Logo
já convalesceu?... Morreu.
À
Bahia aconteceu
O que
a um doente acontece:
Cai na
cama, e o mal cresce,
Baixou,
subiu, morreu.
A
Câmara não acode?... Não pode.
Pois
não tem todo o poder?... Não quer.
É que
o Governo a convence?... Não vence.
Quem
haverá que tal pense,
Que
uma câmara tão nobre,
Por
ver-se mísera e pobre,
Não
pode, não quer, não vence.
(Juízo
anatômico dos achaques que padecia o corpo da República em todos os membros, e
inteira definição do que em todos os tempos é a Bahia.)
Triste Bahia
Triste
Bahia!
ó quão
dessemelhante
Estás
e estou do nosso antigo estado!
Pobre
te vejo a ti, tu a mi abundante.
A ti
tricou-te a máquina mercante,
Que em
tua larga barra tem entrado,
A mim
foi-me trocando e, tem trocado,
Tanto
negócio e tanto negociante.
Sérgio Lopes