Sérgio Lopes Jornalista e Professor
Fala, tudo bem?!
Tá esperando que ônibus aí?
175
Ih! Corre, que tá saindo um ali agora
Falou, então! (Valeu!)
Um ônibus tranquilo, estava vazio
A cidade engarrafada, como não podia deixar de ser
Viagem demorada, o que fazer?
Resolvi escrever um rap a mais
Mas não estou bem certo sobre o quê eu vou rimar
Diz aí, trocador? (Ah, sei lá!)
Então eu vou no instinto
Pego um papel e vamo' vê o quê que dá
E que susto eu levei
Era ela, a inflação estampada na vitrine
Atingiu meu coração e deu vontade de partir pro crime
Porque o que eu quero comprar já não dá mais
A não ser que eu faça como fez o Ferrabrás (quem?)
Mas o que eu vejo do outro lado é duro de acreditar
Mas é real, e a realidade dói demais
São dois mendigos se matando pelos restos mortais
De um cachorro qualquer que foi atropelado
E vai virar rango, e se der, talvez seja assado
Não, arrombado
Aquilo é um ser humano que chamaram de descamisado
Um desesperado, um brasileiro como eu
Que deve sempre perguntar: Será que existe mesmo Deus?
Não é o Pensador que vai tentar responder
Eu continuo rimando, tentando esquecer
É o rap do 175 que eu peguei na central
Mas esse rap não é sobre nada especial
É o rap do 175 que eu peguei na central
Entrou mais gente, houve um tumulto
Alguém gritou e eu olhei pra ver
Quê que é isso? Quê que tá pegando? Quê que tá havendo?
(É um assalto, malandro!)
(Será que você ainda não tá percebendo?)
E eu também tentava esconder meu dinheiro quando alguém falou
(Libera esse aí que é o Pensador, mané!)
Mas eles eram meus fãs, então levaram meu boné
(Autografado né, Pensador, se liga!)
(Calma!)
Quase deu briga
Mas a viagem prosseguiu e os ladrões desceram
E aí a raiva que subiu na cabeça dos passageiros
E o mais injuriado era um bigodudo
Que tinha ganhado o salário e (eles levaram tudo)
Estufando o peito e olhando pra gente
Impondo respeito
Mas os ladrões já tavam longe, num tinha mais jeito
Pra priorar levaram o bigodudo como suspeito
Ele era preto...
Mas eu vou continuar porque eu já disse a você que...
É o rap do 175 que eu peguei na central
Mas esse rap não é sobre nada especial
É o rap do 175 que eu peguei na central
Travestis e prostitutas se acabando por grana
E os gringos vão achando aquilo tudo bacana
(O Brasil é um paraíso! As mulheres são boas de cama!)
Você que vem lá de fora quer entender do Brasil
Hã... O Brasil é um paraíso
É mole? E o inferno é onde?!
(Peraí, Pensador)
Subiu no coletivo uma estranhíssima figura
Com uma bíblia na mão e uma cara de débil mental
Pregando a enganação da Igreja Universal
Ah, num faz mal
Igreja de enganar otário é tudo igual!
E eu rezando: Deus, me dê paciência!
Mas o pentelho desceu pra alegria da gente
E na saída do ônibus, sofreu um acidente
Se distraiu e foi atropelado por um caminhão
Morreu esmagado com a bíblia na mão
Num queria Deus? Foi pro céu então
(Num sei não hein...)
Eu fui rimando, bola pra frente
É o rap do 175 que eu peguei na central
Porque esse rap não é sobre nada especial
É o rap do 175 que eu peguei na central
Pr'um coroa que passou por debaixo da roleta
Era um senhor de óculos, barba branca...
Ei, Peraí! Ei professor, quê que o senhor tá fazendo aqui?
Quê que houve? Foi assaltado? Perdeu o dinheiro?
(Hmm... Sabe... Sabe o quê que é? Gastei o salário inteiro!)
No meio do mês o salário dele já tinha acabado
Era o meu ex-professor da escola (coitado!)
Tá fudido e mal pago, daqui a pouco tá pedindo esmola
Ele é um mestre, um baú de sabedoria
E esse não é o valor que um professor merecia
Ninguém mais quer ser professor pra num viver duro
E ele desceu em outra escola pra dar mais aula
(É que eu trabalho nos três turnos)
(Chego em casa e ainda corrijo prova)
Tchau professor! (Tchau Pensador!)
Desceu mais um trabalhador que tá numa de horror
É o rap do 175 que eu peguei na central
Mas esse rap não é sobre nada especial
É o rap do 175 que eu peguei na central
E como o tempo tá fechando eu tô ficando preocupado
Ih! Choveu! Pronto, tudo alagado
Uns vão nadando, outros morrendo afogados
Não é que passa o Prefeito num iate sorrindo
E se o nosso ex-presidente estivesse aqui
Ele estaria certamente num belíssimo jet-ski
Essa triste situação tá parecendo o fim do mundo
Pra quem tá de carro, pra quem tá de ônibus
Nessa Rio-Babilônia, no Brasil do abandono
E enquanto os governantes vão boiando sorridentes
Vamo' remando, bola pra frente
É o rap do 175 que eu peguei na central
Mas esse rap não é sobre nada especial
É o rap do 175 que eu peguei na central
Nada-nada disso do que aconteceu foi novidade
E as autoridades estão defecando
Pro que acontece ao cidadão brasileiro no seu cotidiano
No cu dos outros é refresco, num faz mal
E fecham os olhos pro que até cego já viu
O revoltante retrato da vida urbana no Brasil
Eu tô falando do dia a dia
A qualquer hora, em qualquer local
Porque esse rap não é sobre nada especial